um novo rumo para as OSCs

Uma reforma tributária num país com o arcabouço fiscal brasileiro é sempre iniciativa relevante. A discussão atual, centrada na PEC 45/2019 traz uma série de simplificações e avanços e, como em qualquer proposta de reforma, desafios importantes a serem equacionados. Mas também traz uma oportunidade quase única de consertar distorções, como é o caso da incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre as doações às organizações da sociedade civil.

O ITCMD é um tributo estadual, com alíquotas que podem chegar a 8%. Como o nome indica, ele contempla dois conceitos que são muito diferentes: transmissões causa mortis e doações. As transmissões causa mortis ocorrem no momento do falecimento e representa a transferência patrimonial para os herdeiros, e a “herança”, na grande maioria dos casos, vai para familiares. Já as doações são atos unilaterais de vontade em que um doador (pessoa física ou jurídica) transfere gratuitamente bens e direitos a um donatário. E, na grande maioria dos casos, as doações vão para organizações sem fins lucrativos que atuam na defesa e garantia de direitos como educação, saúde, defesa do meio ambiente, dentre outras causas.

Desde a instituição do ITCMD, há alguns anos, discute-se a sua incidência sobre as doações destinadas às organizações da sociedade civil visto que, ao final do dia, tributa-se um valor destinado à realização do bem comum, algo muito diferente do que heranças que geram benefícios privados. Inclusive, no estudo
“Fortalecimento da sociedade civil: redução de barreiras tributárias às doações”, de cerca de 30 países, apenas Croácia e Coréia do Sul tributam doações para a sociedade civil da mesma forma que as transmissões causa mortis, além do Brasil. 

Mas desde julho essa realidade trilha um novo caminho. O substitutivo votado pela Câmara dos Deputados na tramitação da reforma é um grande avanço para o terceiro setor. O texto votado deixa clara a não incidência do ITCMD para as transmissões e doações destinadas às organizações sem fins lucrativos com finalidade de relevância social, organizações assistenciais e beneficentes de organizações religiosas e institutos científicos e tecnológicos, observados os requisitos a serem previstos em lei complementar.

O que ocorreu é um marco na jornada para se alcançar uma sociedade civil forte e pujante que traz e trará ainda mais benefícios para o país seja pelo aumento do impacto na ponta, isto é, mais atendimentos médicos, biomas e espécies preservadas, crianças atendidas, pessoas vítimas de desastres naturais alimentadas, e tudo mais que as mais de 500 mil organizações da sociedade civil sem fins lucrativos entregam para a sociedade brasileira; seja pelo aumento do impacto econômico do setor que já contribui para o PIB do país e para a geração de empregos.

Recentemente, a Sitawi Finanças do Bem e FIPE publicaram o estudo
“A importância do Terceiro Setor Para o PIB no Brasil”, que relevou que, além de todos os benefícios sociais e ambientais que o terceiro setor já traz, ele movimenta 4,27% do PIB e emprega 6 milhões de pessoas e, portanto, deve ser considerado pelos formuladores de políticas públicas. 

No início de julho, ao reconhecer a não incidência do ITCMD sobre as transmissões e doações para as organizações da sociedade civil, a Câmara dos Deputados demonstrou que reconhece a importância do terceiro setor para a sociedade brasileira e que entende que heranças e doações para organizações sem fins lucrativos são dois temas distintos.

Parabéns a esse setor que nunca descansa! Há um caminho longo a ser trilhado até a edição da lei complementar, mas o primeiro e grande passo já foi dado.

Texto originalmente publicado em:

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-ongs-nao-sao-filhos-de-bilionarios-10072023 

Leonardo Letelier – CEO e fundador da Sitawi Finanças do Bem – 5ª organização social mais influente do país, segundo a thedotgood. Foi eleito Empreendedor Social do Ano 2021 pela Folha de S.Paulo e Schwab Foundation. Possui mais de 20 anos de experiência em negócios, finanças e impacto social. Foi eleito Senior Fellow do Synergos. Foi, ainda, reconhecido com o título de Responsible Leader pela BMW Foundation. Antes da criação da Sitawi Finanças do Bem, trabalhou na McKinsey por oito anos. É engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e possui MBA pela Harvard Business School.

Flávia Regina de Souza Oliveira
– sócia do escritório de advocacia Mattos Filho e dedica-se ao terceiro setor e à responsabilidade social. Atua, também, em direitos humanos e empresas, com ênfase na implementação dos aspectos sociais no tocante a ESG. Pioneira da prática pro bono no escritório, contribui ativamente no desenvolvimento e amadurecimento da cultura pro bono na região.

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