Percepção de Suporte Organizacional: construindo relações de cuidado
Refletir sobre os aspectos que podem influenciar a saúde mental e o bem-estar das pessoas que trabalham no Terceiro Setor é uma tarefa complexa e multidisciplinar, onde se faz necessário lançar o olhar para questões emocionais, sociais, fisiológicas, trabalhistas, dentre tantas outras, e tem sido pauta dos estudos e observações da Phomenta desde 2020, ganhando maior ênfase com o lançamento da “Pesquisa – A saúde mental e o bem-estar dos profissionais do Terceiro Setor”, em outubro de 2023, nos trazendo algumas possibilidades de análise sobre esta temática.
Para este artigo, te convido a olhar para o fator do cuidado, percebido por quem trabalha nas organizações sociais, referindo-se às ações intencionais da instituição para promoção do bem-estar de seus colaboradores e voluntários, que de forma surpreendente apontou que 70% dos respondentes não percebem essa intenção por parte da liderança da organização em que atua.
Essas ações intencionais estão ou deveriam estar intimamente ligadas ao setor de Gestão de Pessoas, tendo como objetivo principal a construção de uma relação mútua de compromisso e satisfação para ambos os lados, trabalhador e organização, na construção de um ambiente de trabalho permeado por confiança e segurança psicológica.
Porém, o que nos mostra a pesquisa é que, para muitos, ao contrário disso, trabalhar no Terceiro Setor tem sido percebido como sinônimo de sobrecarga de trabalho, com baixa remuneração e falta de reconhecimento, sendo este um cenário preocupante e altamente adoecedor.
Ao analisar esses dados e questionar sobre quais aspectos comporiam essa percepção de intencionalidade nas ações de bem-estar organizacional, a fim de encontrar parâmetros para um trabalho em prol da melhoria deste contexto, encontrei a teoria da Percepção de Suporte Organizacional (PSO), criada por Robert Eisenberger.
A percepção de cuidado
Na década de 1980, o PhD Robert Eisenberger, professor do Departamento de Psicologia e de Administração, da Universidade de Houston, desenvolveu juntamente com outros pesquisadores, sua teoria sobre o conceito de Percepção de Suporte Organizacional (PSO), que se refere à “crenças globais desenvolvidas pelo empregado sobre a extensão em que a organização valoriza as suas contribuições e cuida do seu bem-estar” (Eisenberger, Huntington, Hutchison e Sowa, 1986).
Eisenberger desenvolveu também um instrumento para mensurar a PSO intitulado “Escala de Percepção de Suporte Organizacional” contendo 36 itens na versão completa e 17 na versão reduzida, dividindo igualmente os itens entre positivos e negativos. Esta escala foi adaptada para a versão brasileira, em 2000, pelo Professor Doutor em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mauricio Robayo Tamayo, dentre outros pesquisadores, contendo 6 itens de avaliação, que nos dão referência sobre os principais aspectos influenciadores desta percepção de cuidado organizacional, sendo eles:
- Estilos de gestão da chefia:
formas utilizadas por um líder para traduzir as políticas e práticas organizacionais - Gestão de desempenho: políticas e práticas organizacionais que regulam o processo de trabalho
- Sobrecarga de trabalho: percepção dos indivíduos quanto às demandas de produção excessivas definidas para o grupo de trabalho
- Suporte material: Disponibilidade, adequação, suficiência e qualidade dos recursos materiais e financeiros fornecidos pela organização para ajudar a execução eficaz das tarefas
- Suporte social no trabalho: percepção dos indivíduos acerca da existência e disponibilidade de apoio social e da qualidade do relacionamento interpessoal com a chefia e os colegas
- Ascensão e salários: Práticas específicas de retribuição financeira, promoção e ascensão funcionais
Tamayo, em sua pesquisa intitulada “Exaustão emocional: relações com a percepção de suporte organizacional e com as estratégias de coping no trabalho”, de 2002, observou que “os fatores gestão de desempenho, sobrecarga, suporte social e ascensão e salários da Escala de PSO, apresentaram correlações negativas e significativas com as dimensões da Escala de Exaustão Emocional, ficando evidente que “variáveis de suporte organizacional que envolvem processos de gestão e gerenciamento da chefia podem diminuir essa exaustão”.
A PSO no Terceiro Setor
A “Pesquisa – A saúde mental e o bem-estar dos profissionais do Terceiro Setor”, citada no início deste texto, correlaciona e apresenta dados que comprovam a influências dos aspectos propostos por Tamayo (2002), com sua percepção de bem-estar organizacional, por exemplo:
- Estilos de Chefia & Gestão de Desempenho:
A “falta de reconhecimento ou recompensa”, assim como a “falta de clareza nas expectativas ou metas” é citado por 33% dos respondentes como principais fatores de estresse, sendo fatores analisados na pesquisa como uma possível “falta de estrutura de gestão interna, bem como a falta de suporte e preparação dos líderes”.
A “sobrecarga” aparece como um sentimento presente em 63% dos participantes, sendo relacionado também por 64% como um reconhecimento de “excesso de demandas e tarefas”.
A “falta de recursos adequados” é citado por 50% dos respondentes, abrangendo uma gama de limitações e recursos.
- Suporte Social no trabalho:
A qualidade das relações foram mencionadas como aspectos influenciadores da saúde mental dos trabalhadores. Para 29% dos participantes da pesquisa, as “relações conflituosas com pessoas da organização”, assim como a “baixa colaboração” que aparece em 25% das respostas, são considerados estressores do ambiente de trabalho.
A baixa remuneração e a falta de perspectiva de ascensão da carreira profissional no terceiro setor tem se mostrado um dos maiores agravantes da percepção de cuidado por parte das organizações. Cerca de 60% dos respondentes afirmaram não se sentir bem remunerados por sua carga de trabalho e nível de responsabilidade, o que pode afetar diretamente em seu bem-estar e saúde mental.
Para refletir um pouco mais sobre o aspecto dos salários e benefícios no terceiro setor leia este texto.
Queremos melhorar, mas por onde começar?
Ao observarmos dados alarmantes como os apresentados pela pesquisa da Phomenta, somos impulsionados a agir. Desejamos que o Terceiro Setor seja um lugar bom para se trabalhar e não mais um adoecedor da sociedade. Para isso é necessário autoavaliação e aceitação de seus problemas. A pessoa que trabalha no Terceiro Setor está cuidando dos problemas mais graves do mundo e portanto precisa sentir-se cuidada.
Sabemos que pelo Brasil há milhares de ONGs de todo tamanho e causa e, dessa forma, podemos intuir que não há apenas uma forma de gerar a mudança que queremos. A Escala da Percepção de Suporte Organizacional, criada por Eisenberger, aponta aspectos fundamentais para o início do trabalho, mas isso não é tudo. Precisamos começar das pequenas ações, que influenciarão nas grandes transformações.
As rodas de conversa, a escuta ativa, o olho no olho, ainda são as estratégias mais poderosas para se entender o que essa equipe, esse projeto ou essa organização precisam para se tornar um espaço seguro e saudável de trabalho.
Após isso olhamos com atenção para as questões estruturais, para como foram construídas as relações de recompensa, reconhecimento e crescimento dentro da organização. E como tem sido experimentado no Movimento Cuidar de Quem Cuida, liderado por Sophia Góez, os bons exemplos começam a emergir e a inspirar outros, em uma espiral constante de afetar e ser afetado.
Referências:
TAMAYO, M. R.; TRÓCCOLI, B. T. Exaustão emocional: relações com a percepção de suporte organizacional e com as estratégias de coping no trabalho. Estudos de Psicologia, v. 7, n. 1, p. 37-46, 2002.
EISENBERGER, R.; HUNTINGTON, R.; HUTCHISON, S.; SOWA, D. Perceived organizational support. Journal of Applied Psychology, v. 71, p. 500-507, 1986.