O novo rosto da lavagem de dinheiro: de malas a negócios de luxo | PressWorks
A lavagem de dinheiro é um crime que evolui constantemente, adaptando-se às mudanças no mercado financeiro e na tecnologia. Existem mais de 60 tipologias conhecidas desse delito, incluindo o uso de empresas de fachada, transações fracionadas, comércio internacional manipulado e, mais recentemente, o uso de criptomoedas e fintechs para mascarar a origem ilícita dos recursos. No Brasil, essa prática se sofisticou a ponto de se integrar ao sistema financeiro formal, tornando-se mais difícil de detectar e combater.
Falar sobre lavagem de dinheiro sempre nos remete a cenas de filmes: malas de dinheiro, transações obscuras e contas numeradas em paraísos fiscais. Mas a realidade, ao menos no Brasil, já não se parece mais com esse roteiro clichê. Essa transgressão evoluiu, se sofisticou e, hoje, veste terno e gravata. Ela não está mais escondida em porões escuros, mas sim nas altas esferas do mercado imobiliário, das fintechs e dos investimentos de luxo. Apenas para se ter uma noção, segundo estimativas do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), aproximadamente 30% dos ativos recuperados pelo crime organizado internacional são propriedades imobiliárias.
Além disso, a digitalização trouxe novas modalidades, como o uso de criptomoedas e plataformas online para a movimentação desses recursos. A “estruturação” ou “smurfing”, por exemplo, envolve a divisão de grandes quantias em transações menores para evitar detecção.
Se antes o crime precisava movimentar grandes quantias em espécie – o que gerava um problema logístico enorme –, agora ele encontra alternativas bem mais discretas e eficazes. Hoje, o dinheiro sujo entra no sistema financeiro por meio de empresas aparentemente legítimas, passando por um processo de “limpeza” quase imperceptível. Fintechs, bancos digitais e meios de pagamento instantâneos tornaram esse fluxo ainda mais dinâmico, dificultando o rastreamento.
Em agosto de 2024, a Receita Federal, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal deflagraram uma operação que investigava uma organização criminosa suspeita de lavar dinheiro para o crime organizado e para empresas com dívidas, por meio de fintechs. Segundo a investigação, o grupo movimentou R$ 7,5 bilhões. A organização oferecia abertamente, pela internet, contas clandestinas em dois bancos digitais, que permitiam transações financeiras dentro do sistema bancário oficial, de forma oculta, as quais foram utilizadas por facções criminosas, empresas com dívidas trabalhistas, tributárias e outros fins ilícitos.
Está claro que crime organizado percebeu que não precisa mais carregar malas de dinheiro. Basta capitalizar uma fintech, criar um fundo de investimentos ou movimentar dinheiro por meio de empresas de fachada. É um modelo que já não depende de métodos ultrapassados – como o clássico sequestro para obtenção de resgates em espécie –, porque o próprio mercado encontrou formas mais eficientes de transformar dinheiro ilícito em ativo legal.
Mercado Imobiliário de Luxo e Criptomoedas
Um dos setores mais visados para esse processo é o mercado imobiliário de luxo. É um caminho quase perfeito: comprar imóveis de alto valor, revendê-los, alugar para terceiros e, em pouco tempo, ter um dinheiro completamente legalizado. Dados da Europol – Agência de Cooperação Policial da União Europeia (UE) -, sugerem que imóveis, bens de luxo e negócios com alta movimentação de dinheiro servem como instrumentos predominantes de lavagem de dinheiro pelas principais redes criminosas.
As criptomoedas, por sua vez, representam uma pequena porcentagem. De acordo com o relatório, os imóveis o principal meio de lavagem de dinheiro (41%), seguido por bens de luxo (27%) e serviços pagos em dinheiro, como hotelaria (20%). Embora as criptomoedas sejam listadas por críticos ao ecossistema como meio largamente usado por criminosos, elas representam 10% do total.
Mas a pergunta que fica é: como as autoridades podem descobrir essas transações e ações ilegais?
O maior desafio para as autoridades é justamente acompanhar essa evolução. Enquanto a fiscalização se concentra nos métodos tradicionais, a lavagem de dinheiro já avançou para um nível em que as transações parecem normais, os envolvidos se misturam à elite econômica e os mecanismos de ocultação estão cada vez mais integrados ao próprio funcionamento do sistema financeiro.
Para enfrentar esses desafios, é essencial o uso de tecnologias avançadas, como inteligência artificial e aprendizado de máquina, para monitorar e analisar padrões de transações. A implementação de regulamentações específicas para ativos digitais e a cooperação internacional são fundamentais para fortalecer o combate à lavagem de dinheiro.
Com isso, resta ainda uma dúvida estamos preparados para combater uma ação que não parece ser ilegal? Porque, no fim das contas, a sofisticação da lavagem de dinheiro não está apenas nos métodos, mas na própria naturalização desse processo dentro da economia legal. Para enfrentar esse desafio, é necessário um esforço conjunto entre instituições financeiras, órgãos reguladores e autoridades internacionais. Sem uma abordagem moderna e eficaz, o crime continuará se reinventando, sempre um passo à frente da lei.