Gestão de Mudança como estratégia em saúde mental
Baseada em uma área de estudo de Administração, a Gestão de Mudança, é uma ferramenta que tem como enfoque a necessidade de constante adaptação. Conheça mais sobre o termo e saiba como planejar processos de forma estratégica:
Existem momentos em nossa vida em que não estamos bem. Pode ser algo passageiro, por situações cotidianas, que nos deixam tristes, frustrados e desapontados, mas, por vezes, quando esses sentimentos se prolongam, podem ser caracterizados como um sofrimento psíquico, ou seja, “períodos prolongados de intensa angústia, que promovem uma ruptura do equilíbrio biopsicossocial anteriormente estabelecido, geralmente, de difícil manejo pela própria pessoa em sofrimento” (Costa, 2014).
Quando isso ocorre, somos levados a procurar alternativas para lidar com essas fases, e podemos fazer isso de diversas maneiras, porém, se desejamos experimentar melhoras efetivas e a longo prazo, precisamos agir, e uma das estratégias possíveis e eficazes de se fazer isso, é por meio da gestão de mudança.
Empresto o termo Gestão de Mudanças da área da Administração, especificamente do contexto das Gestão de Mudanças Organizacionais, que apesar de não encontrar apenas uma possibilidade de definição na literatura, pode ser compreendido como um processo estruturado de modificação (de uma situação atual para uma situação desejada), valendo-se de estratégias que possam aumentar sua probabilidade de sucesso, visto que períodos de transformações são repletos de desafios, obstáculos e resistências.
Mudar não é fácil. Experimentamos essa sensação toda vez que queremos adicionar ou cortar um hábito em nossa rotina, imagine então quando essas modificações podem envolver nossa estabilidade financeira, emocional ou profissional. É por esse motivo que esses períodos precisam ser pensados e planejados, a fim de nos oferecer um parâmetro de segurança que diminua o sentimento de angústia frente ao desconhecido. Com planejamento, nós estruturamos a transformação e não apenas reagimos aos fatos.
O Guia de Gestão de Mudanças nas Organizações, do PMI (Project Management Institute), de 2013, apresenta uma estrutura, que aqui está adaptada para 5 estágios, em que podemos nos basear para organizar ideias e planos de alteração de nossa realidade.
Por onde começar?
- Formular a mudança: Este é o estágio da autoavaliação de nossa situação atual, onde aguçamos nossa percepção para identificar o que tem nos causado desconforto e o que queremos fazer com isso. Nesta fase definimos também onde queremos chegar e os aspectos a serem transformados, afinal “se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve” (Lewis Carroll, autor de Alice no país das maravilhas).
- Planejar a mudança:
Estabelecido o foco, passamos a desenhar nosso percurso. Podemos nos fazer perguntas como:
- Em quanto tempo quero estabelecer essa mudança?
- Preciso aprender algo novo? Se sim, o quê?
- Que ações preciso realizar para me aproximar e atingir o que desejo?
- Há pessoas que conheço que posso conversar sobre isso?
- Vou precisar fazer ajustes financeiros como cortar gastos ou aumentar a renda extra?
Nesta fase, é recomendável estabelecer pequenas metas, como forma de acompanhar e avaliar o seu avanço.
3. Implementar a mudança:
Aqui começam as pequenas ações em direção ao objetivo. Elas podem ser divididas em práticas diárias, semanais, mensais ou em outra periodicidade que faça mais sentido.
Neste período, onde ainda há muita insegurança, é muito importante ter pessoas em quem você confia e que acredita que pode servir como um mentor, conselheiro ou terapeuta, auxiliando nos questionamentos, formação de opinião e reafirmação de seus objetivos. A psicoterapia é altamente aconselhável, por ser feita periodicamente e por um profissional apto a compreender a complexidade em que os problemas pessoais se originam, auxiliando-o a gerenciá-los e superá-los.
4.
Gerenciar a mudança: A partir do início das ações, até a conquista da situação ideal, é necessária uma atitude de atenção e flexibilidade ao observar o que nos acontece de forma prevista e até de forma inesperada.
Durante este processo, observamos se as pequenas metas estão obtendo resultados visíveis ou se estão aparecendo fatores impeditivos na continuidade delas, atuando estrategicamente para que este processo seja saudável e adaptável.
5. Sustentar a mudança:
Nesta última etapa, temos a tarefa de buscar a automotivação até que os resultados venham. Não sabemos quanto tempo pode demorar, por isso, o melhor a se fazer é aprender a aproveitar o caminho e celebrar cada pequena conquista.
Um dos mais conhecidos teóricos da área de Gestão de mudanças, o psicólogo alemão Kurt Lewin (1890-1947), já estudava as facilidades e dificuldades encontradas nos processos de transformação afirmando que existem duas forças atuando nesta decisão:
As forças propulsoras – dirigem o comportamento no sentido pró-mudança e na quebra de paradigma, fortalecendo o sentido para que ela aconteça e gerando motivação.
As forças restritivas – Freiam ou tentam impedir o movimento no sentido da mudança, podendo se manifestar por meio do medo do desconhecido, conformismo, crenças limitantes ou outros tipos de resistências.
Por esse motivo, uma parte muito importante da gestão de mudança se dedica a estudar os fatores que podem influenciar o comportamento das pessoas durante este processo, já que, como o cérebro entende as mudanças primeiramente como ameaças, naturalmente uma de
suas reações é a de se opor fortemente a elas.
Sendo assim, apresento a seguir como a psicologia e o yoga (duas áreas que tenho mais proximidade e identificação e que lidam com o manejo da saúde mental) lidam com essas objeções, oferecendo suporte e direcionamento para quem precisa passar por transições na vida e não sabe como fazê-lo.
Mudança na Psicologia
O ambiente terapêutico também é um espaço de estudo e construção de mudanças. Zita Sousa, em sua dissertação intitulada “Psicoterapia, Narrativa e Mudança: Histórias sobre o processo terapêutico”, de 2006, para o Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, de Braga, Portugal, explorou de forma ampla como isso ocorre.
A autora, citando Jack Martin (1994) explica que “a psicoterapia constitui uma forma específica de conversação e atividade interpessoal, que perspectiva apoiar o indivíduo na mudança de suas teorias pessoais […]. Quando as teorias correntes não são satisfatórias ou não permitem alcançar objetivos pessoais, a mudança torna-se necessária”.
Neste sentido, compreendemos que o processo terapêutico, por meio da auto reflexão, possibilita ao indivíduo revisitar suas narrativas de vida, identificando aquilo que não está sintonizado com sua “essência”, gerando incômodo e insatisfação, e possibilitando dessa forma que as transformações sejam planejadas, testadas e realizadas.
E finalmente, a Gestão de Mudança no Terceiro Setor
Infelizmente, uma grande parte do trabalho nas organizações sociais do terceiro setor ainda acontece em meio a um cenário de instabilidade, seja por acontecer em grande parte na realização de projetos que não oferecem certeza de continuidade nos recursos, seja pela alta taxa de rotatividade das equipes.
Esse é um contexto adoecedor, que apesar de apresentar dados de motivação elevada por parte dos seus trabalhadores, sendo 58% dos não-líderes e 77% dos líderes afirmando estarem motivados com seu trabalho, como apresentado na Pesquisa de Saúde Mental da Phomenta, de 2023, a médio e longo prazo podem levar a níveis de estresse crônicos e seus sintomas decorrentes, como ansiedade, exaustão e insônia.
Por esse motivo, e em contraposição a uma prática usual que é a de agir reagindo às circunstâncias emergentes, é necessário que tanto no nível organizacional quanto (e principalmente) a nível pessoal, haja uma preparação para ações planejadas de mudança.
Desejamos que as organizações sociais, fortalecidas em seus processos de gestão, possam oferecer às suas equipes, processos de mudanças, ou adaptação das novas realidades propostas, com segurança psicológica, confiança e parceria, assim como, para o indivíduo que trabalha neste contexto, possibilidades de enfrentar essa realidade com mais ferramentas e escolhas conscientes.
Conclusão
Por vezes a mudança será algo desejado e em outras é inevitável. Então, para que possamos ter melhores resultados e preservação da saúde mental no processo, precisamos agir de forma estratégica.
A gestão de mudanças, inspirada no contexto da administração, oferece um caminho estruturado que torna possível a passagem por estes momentos de autotransformação com mais confiança e resiliência. Já a psicologia e o yoga, podem oferecer o suporte emocional tão necessário para que este processo seja contínuo e saudável.
Referências:
COSTA, I.I. Sofrimento humano e sofrimento psíquico: da condição humana às “dores psíquicas”. In: COSTA, I.I. (org.). Sofrimento humano, crise psíquica e cuidado: dimensões do sofrimento e do cuidado humano na contemporaneidade. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2014, p.21-67.
Martin, J. (1994). The construction and understanding of psychotherapeutic change: Conversations, memories, and theories. New York: Teachers College.
PMI – Project Management Institute: A practice guide (2013). Newtown Square, Pa: Project Management Institute.
PHOMENTA. Pesquisa: A saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores do terceiro setor. Campinas: SP. 2023. Disponível em:
https://www.phomenta.com.br/pesquisa-saude-mental-e-bem-estar
SOUSA, Z. C. R., (2006). Psicoterapia, Narrativa e Mudança: Histórias sobre o processo terapêutico. Dissertação.
Universidade do Minho – Instituto de Educação e Psicologia, Mestrado em Psicologia na Especialidade de Psicologia Clínica.