Empresas de calcinha a cerveja focam nos fornecedores para reduzir pegada de carbono


Compensação de emissões de CO2 custa menos de 1% do valor final do produto. Mas investimento na descarbonização é de longo prazo, diz especialista O mercado voluntário de crédito de carbono movimentou cerca de US$ 2 bilhões globalmente em 2023. Neste ano, deve variar entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões. No Brasil, algumas marcas já conquistaram a neutralidade das emissões de gases causadores do efeito estufa com a compra desses créditos. Ou seja, elas reduziram as próprias emissões e compensaram o que não conseguiram cortar. Agora, querem ir além e trabalham para diminuir os gases emitidos na cadeia de fornecedores, entre terceirizados e até mesmo clientes, o chamado ‘net zero’.
A Pantys, marca de calcinhas absorventes, já nasceu com forte consciência ambiental, uma vez que seu principal objetivo era evitar descartáveis. Em agosto de 2020, foi a primeira do varejo de moda a lançar etiquetas informando a pegada de carbono de cada peça e a fazer a compensação.
O objetivo, porém, não era ser apenas carbono neutro, mas analisar a cadeia do produto, do fio ao transporte, o que a levou a descobertas e mudanças.
Corrida de app
A empresa se surpreendeu com a alta emissão de CO2 na lavagem já na etapa do consumo. Decidiu, então, lançar um sabão com enzimas que ajudam a quebrar as proteínas do sangue e do leite, ajudando na retirada de manchas na calcinha e no sutiã. Isso tornou a lavagem mais eficiente, reduzindo as emissões, explica Emily Ewell, uma das fundadoras da marca.
— Sustentabilidade é melhorar sempre e reduzir o impacto negativo. Também trocamos toda a energia que consumimos por solar e temos de atualizar nosso impacto a cada dois anos — diz.
Maria Eduarda Camargo, também fundadora da Pantys, destaca que neutralizar foi importante, mas ter conhecimento sobre o processo de produção foi mais.
— Em vez de usar dados médios de mercado, pegamos todo o ciclo produtivo e estudamos a fundo cada produto para melhorar as métricas ano a ano e descobrir como a gente melhora nossa pegada de carbono.
Quando uma empresa opta por neutralizar suas emissões assume um compromisso público, afirma Felipe Viana, diretor comercial da Carbonext, que tem mais de 300 empresas parceiras e 20% do mercado brasileiro de crédito de carbono. Ele admite, porém, que para a população em geral isso não é uma preocupação.
— Ninguém deixa de pagar a Netflix para isso. Mas topa pagar um pouco mais em um produto ou serviço. A Uber, por exemplo, é uma empresa parceira. Numa corrida, você paga cerca de R$ 0,30 a mais para compensar (voluntariamente). Há dois anos, eram compensados de 3 milhões a 4 milhões de quilômetros por mês. Hoje, são 10 milhões — diz Viana.
A compensação das emissões de carbono custa menos de 1% do valor final de um produto, segundo o executivo. O percentual exato depende do segmento e do tipo de crédito a ser adquirido.
Cada crédito de carbono, que pode variar de US$ 5 a US$ 1.000, representa uma tonelada de carbono equivalente que deixou de ser lançada ou foi capturada da atmosfera. Responsável por 22 projetos, a Carbonext já comercializou créditos para evitar a emissão de 8,1 milhões de toneladas de carbono.
Também no varejo de moda, a Renner trabalha há dez anos para reduzir seu impacto nas mudanças climáticas. Em 2016, tornou-se uma empresa carbono neutro. De 2018 a 2023, atuou em quatro grandes frentes: reduzir as emissões de carbono, ter 100% da energia corporativa de fontes renováveis de baixa emissão, ter 80% de produtos menos impactantes e algodão 100% certificado; e ter 100% da cadeia produtiva com certificação socioambiental. E já iniciou um novo ciclo.
— Para atingir a neutralidade em 2050, há um importante marco em 2030, com a redução de 75% das emissões de escopo 3 (emissões indiretas da cadeia de fornecedores) e 46% das emissões nos escopos 1 (emissões diretas da operação da empresa) e 2 (emissões indiretas provenientes da energia para uso da companhia) — explica Eduardo Ferlauto, gerente de sustentabilidade da Renner.
A partir dessas metas, validadas pela Science-Based Targets Initiative (SBTI) — iniciativa que lista as boas práticas para redução de emissões —, a Renner desdobra as ações necessárias para a transição a uma economia de baixo carbono. Segundo Eduardo, 37% da cadeia de fornecedores já usam fontes de energia de baixa emissão. E isso encarece os produtos? Ferlauto diz que não.
— Qualidade e custo não podem ser afetados. Por isso, a inovação é a premissa para sustentabilidade. Conseguimos otimizar o resíduo têxtil entre 5% e 10%. O fornecedor, que tinha custo para lidar com esse resíduo, agora vende e gera receita — conta.
Setor de bebidas
No setor de bebidas, a Praya se tornou em 2020 a primeira cerveja carbono neutro do país. Mas, em 2022, ao deixar de ser uma marca isolada e integrar a Better Drinks, perdeu o título. No entanto, o grupo pretende recuperá-lo e avançar na descarbonização.
Seu primeiro inventário climático, que calcula todas as emissões, foi feito já em 2023. Com metas validadas pela SBTI, comprometeu-se a reduzir até 2030 as emissões de escopo 1 e 2 em até 90%, além de medir e reduzir em 30% as de escopo 3.
— Compensar é importante, mas esse termo já é o básico. A gente precisa reduzir as emissões e pensar na cadeia como um todo — explica Karen Silva, head de Gente e Gestão da Better Drinks.
Foi com a lógica de juntar os aspectos ambiental e social que a Better Drinks criou a Mamba Water, uma água em lata. Além de 97% do alumínio serem reciclados, cada venda gera a doação de um litro de água.
Em vez de comprar caminhões-pipa para honrar o compromisso, em parceria com o Sistema Integrado de Saneamento Rural, a empresa construiu uma estação de tratamento em Acopiara (CE) que atende a 400 famílias. Com isso, já foram doados quase 4 milhões de litros, dobrando o previsto no projeto.
— A gente acredita que tem que existir na vida pessoal e nas marcas um pensamento social e ambiental diferente do que a gente teve até aqui — afirma Alessandro Lickunas, vice-presidente de ESG da Better Drinks.
Breno Rates, diretor de Projetos de Carbono da WayCarbon, que tem uma carteira de mais de 500 empresas, concorda que a prática das compensações de emissão foi importante para divulgar a necessidade de proteção do sistema climático, mas ressalta que a descarbonização é o caminho. E o maior obstáculo é o econômico.
— No processo de tomada de decisão das empresas não há clareza tão grande sobre o investimento e o retorno da descarbonização. Investimentos têm prazo longo de maturação. E a questão econômica acaba sempre prevalecendo.

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