Ecossistema de startups no Brasil evolui, mas ainda enfrenta obstáculos de inclusão e regionalização
Empreendedores dos mais diversos perfis têm encontrado seus próprios caminhos para criar modelos que combinem escala, rentabilidade e inovação para empresas e consumidores Em meio aos inúmeros desafios apresentados pelo cenário econômico mundial, o ecossistema brasileiro de startups vem mostrando uma notável resiliência para se adaptar aos humores de investidores e aos impactos de novas tecnologias.
Entre a redução da disponibilidade de capital e os efeitos do novo ciclo de inteligência artificial, empreendedores dos mais diversos perfis têm encontrado seus próprios caminhos para criar modelos que combinem potencial de escala, rentabilidade e soluções de inovação para empresas e consumidores.
O amadurecimento das relações com gestores de capital de risco, a consolidação dos programas de inovação corporativa e a chegada de fundadores mais experientes ao mercado são alguns dos fatores que vêm contribuindo para a evolução da indústria nacional de tecnologia.
Apesar dos avanços registrados nessas frentes, os negócios seguem extremamente concentrados nos grandes centros econômicos do Sul e do Sudeste. A baixa presença de mulheres e pessoas negras à frente das operações permanece como outro desafio sistêmico para a formação de um ambiente mais equitativo e inclusivo.
Nesta matéria, você encontrará análises sobre esses e outros movimentos que vêm formando o novo panorama do ecossistema brasileiro de inovação. Das novas dinâmicas de investimentos às mudanças nos perfis de fundadores, conheça os principais desafios e oportunidades que se apresentam para a comunidade empreendedora do país.
RAIO-X
O perfil dos negócios, dos empreendedores e dos investidores que formam o retrato do ecossistema de startups
– R$ 1,2 milhão é o valor médio dos aportes recebidos pelas startups brasileiras
Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
PEGN
Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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PERFIL DAS PESSOAS FUNDADORAS
Homens brancos e com ensino superior permanecem como a maioria absoluta dos empreendedores de tecnologia
Ecossistema de startups no Brasil – Perfil dos fundadores – Gráfico de Gênero, Faixa Etária, Raça e Escolaridade – Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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PANORAMA DE INVESTIMENTOS
Maioria das empresas ainda está em fase de captação
Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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Fonte: ABStartups/Deloitte – Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023; relatório publicado em 2024
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Venture Capital: o que vem depois do inverno das startups?
Da era de ouro dos valuations bilionários às demissões em massa feitas por grandes unicórnios, o ecossistema brasileiro de startups parece se aproximar novamente de um ponto de equilíbrio entre as expectativas de investidores e as estratégias de crescimento de empreendedores.
O sentimento de que o pior do inverno já passou é reforçado pelo volume de aportes realizados no primeiro semestre de 2024. O relatório mais recente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) aponta mais de R$ 4,1 bilhões investidos em 70 empresas. Somente no segundo trimestre, foram injetados R$ 2,8 bilhões – um aumento de 75% sobre o valor contabilizado no mesmo período do ano anterior.
Entre seus principais efeitos de longo prazo, o último ciclo de turbulências do mercado global de tecnologia (com destaque para a falência do Silicon Valley Bank, o banco do setor nos Estados Unidos, no início de 2023) direcionou os holofotes de fundos de investimento para as “startups camelo” – como são chamadas as empresas capazes de equilibrar metas de crescimento agressivas e sustentabilidade financeira.
A desaceleração das fusões e aquisições e as incertezas sobre a próxima janela de IPOs (termo em inglês para oferta pública inicial) são outros fatores que contribuíram para a valorização de negócios com fôlego financeiro para enfrentar períodos de incerteza.
“Muitos empreendedores aproveitaram esse momento de ajustes para organizar a casa e trabalhar na rentabilidade de suas operações. Esse tipo de postura pode abrir oportunidades muito interessantes em um cenário no qual boa parte dos investidores está priorizando startups que consigam desenvolver tecnologias inovadoras a partir de estruturas de custos mais eficientes”, afirma Priscila Rodrigues, presidente da ABVCAP.
A priorização por modelos que combinem resiliência no caixa e soluções para grandes cadeias de negócio também pode ser constatada na concentração de investimentos em startups dos setores de TI e desenvolvimento de software, que receberam 68,2% dos aportes realizados nos primeiros meses do ano. Os segmentos mais valorizados ainda incluem finanças (10,4%), uso sustentável de matérias-primas e recursos naturais (10,3%) e inovações para processos de fabricação industrial (5,7%).
A preferência por negócios em fase inicial – as rodadas de capital semente correspondem a cerca de 60% dos recursos aplicados em 2024 – é outro indício da retomada mais cautelosa da indústria de venture capital. Um cenário que deve reforçar ainda mais o papel de fundos early stage e grupos de investidores-anjo na preparação de startups para estágios mais avançados de investimento.
Para Rodrigues, é possível observar “um aumento da conscientização sobre o momento ideal de levantar capital e sobre como alocar esses recursos; esse tipo de comportamento tem favorecido a formação de relações mais objetivas entre empreendedores e investidores”.
Aporte com propósito
Rafaela Gontijo, da empresa Nuu Alimentos
Divulgação
Rafaela Gontijo, 37 anos
Empresa: Nuu Alimentos
Sede: Patos de Minas (MG)
Fundação: 2015
Solução: produção regenerativa de alimentos à base de mandioca
“A maioria das startups começa a operar nessa lógica de crescimento orientada pelo venture capital. Mas preferimos focar no desenvolvimento do nosso produto inicial e avaliar os resultados de maneira gradual.
Os primeiros pontos de venda da NUU foram as feiras livres. Queríamos entender qual seria a aceitação de um pão de queijo mais artesanal em um segmento marcado pelo consumo de ultraprocessados. A partir daí, expandimos nossa presença para supermercados da Zona Sul do Rio de Janeiro. No final de 2017, já estávamos com uma presença relevante na cidade.
Dois anos depois, o início da pandemia nos levou a reformular completamente a operação. Descobrimos que nossa pegada ambiental era muito maior do que imaginávamos. Por essa razão, fizemos a transição para uma empresa de impacto positivo. Levamos a operação [do Rio] para Minas Gerais para ficar mais próximo dos fornecedores e construímos uma fábrica baseada em princípios da economia circular.
Em meados de 2021, começamos a procurar investidores para escalar a operação. Tivemos diversas conversas com fundos brasileiros, mas não conseguimos levar as negociações adiante: nosso modelo de negócio fugia muito das fintechs que estavam captando grandes aportes durante o período.
Também pesou o fato de a NUU ser uma empresa de lideranças femininas em um ecossistema em que a maioria absoluta dos investimentos são destinados a negócios criados por homens. Isso nos fez perceber que o Brasil talvez não fosse o lugar ideal para levantar uma rodada mais consistente.
Foi nesse momento que entramos em contato com os representantes do EcoEnterprises, um fundo americano capitaneado por mulheres e focado em investimentos de impacto ambiental. Fechamos um acordo de aproximadamente US$ 3 milhões, com a liberação do valor total condicionado à participação de investidores brasileiros na rodada.
A presença de um fundo internacional de referência abriu novas portas no mercado nacional. A morosidade das análises das gestoras de capital de risco, no entanto, continuava a ser um empecilho. Então priorizamos grupos de investidores-anjo, que, além de serem mais ágeis, trouxeram networking e experiência para a mesa.
Finalizamos a rodada em agosto do ano passado com aproximadamente R$ 20 milhões captados. Um ponto importante que deve ser levado em conta para quem está nessa jornada é a preparação para o processo de due diligence. Entre o primeiro termo assinado e o recebimento do dinheiro, foram cerca de oito meses de relatórios, auditorias, vistorias na fábrica e visitas a pontos de venda.
Não adianta ter apenas um PPT bem estruturado. É preciso estar com a empresa organizada e com fôlego financeiro para passar por essa etapa.”
Do Crowd ao corporate: a diversificação do cenário brasileiro de investimentos
Nos últimos anos, a desaceleração do volume de aportes e os reajustes de expectativas de grandes fundos de capital de risco incentivaram a exploração de novos caminhos de captação entre empreendedores de diversos perfis e regiões.
A regulamentação de operações de equity crowdfunding (nas quais grupos de pequenos investidores fazem aportes em startups de maneira colaborativa) pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostra o amadurecimento de novos formatos de investimentos. Apenas no primeiro trimestre de 2024, as startups brasileiras levantaram ao redor de R$ 21 milhões em plataformas especializadas na modalidade, segundo levantamento realizado pelo hub de inovação Distrito.
O grande destaque, no entanto, continuam sendo as operações de corporate venture capital (CVC), como são chamadas as iniciativas de investimento em startups capitaneadas por grandes empresas. De acordo com o relatório mais recente divulgado pela Associação Brasileira de Corporate Venture Capital (ABCVC), foram mais de 53 aportes feitos por corporações no ano passado, totalizando um montante de aproximadamente R$ 2 bilhões.
“Embora sejam inferiores aos volumes registrados em períodos anteriores, os números apontam para a consolidação do cenário nacional de corporate venture capital. Estamos em um momento no qual muitas corporações ainda estão começando a colher e avaliar os resultados de suas primeiras rodadas, o que deve incentivar a elaboração de estratégias mais avançadas, assim como a expansão para novas áreas e modelos de negócios”, afirma Leo Monte, presidente da ABCVC.
Com foco nas startups em estágio inicial – 44% dos investimentos foram de até R$ 5,5 milhões –, o CVC tem se revelado como um importante vetor de profissionalização do ecossistema brasileiro de startups. Além dos recursos financeiros aplicados no mercado, os aportes feitos por empresas costumam ser acompanhados por mentorias, programas de aceleração e acesso a grandes estruturas operacionais e cadeias de negócios.
No balanço final, trata-se de uma relação que incentiva a formação de expectativas que vão além do retorno sobre o capital investido em si. Permite que empreendedores acessem novos mercados, redes de contatos e mecanismos de governança, enquanto corporações agregam tecnologias inovadoras de maneira mais ágil e eficiente.
Entre os segmentos que devem chamar a atenção de fundos corporativos nos próximos meses, Monte destaca as soluções de inovação voltadas para setores estruturais da economia, como logística e energia. As deep techs, como são chamadas as empresas com tecnologias atreladas a processos mais avançados de pesquisa científica, também devem verificar um aumento de interesse.
Na avaliação do presidente da ABCVC, “as corporações estão incorporando cada vez mais experiência e embasamento tecnológico em suas teses de investimento”. Ele finaliza: “Além da expansão por novos mercados, a consolidação das iniciativas de CVC deve aumentar a confiança para a realização de aportes mais volumosos em operações late stage”.
O novo ciclo dos editais
Anunciado no final do ano passado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o programa Mais Inovação Brasil trouxe um importante reforço para a agenda de investimentos públicos em inovação. Somada à recomposição integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a iniciativa deve disponibilizar um orçamento de R$ 66 bilhões para projetos de tecnologia até 2026.
As expectativas de abertura de novos editais giram em torno das instituições parceiras e órgãos públicos de fomento ao empreendedorismo, com destaque para Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Capital fora da bolha
Martin Silva (CEO, no destaque), 41 anos. Na foto ao lado: Martin acompanhado do time da Biti9 (esq. para dir.), Alberto Alonso, CRO, Fernando Franzin, Head de Operações e Rodrigo Bento, CTO
Jardiel Carvalho
Martin Luther Candido e Silva, 41 anos
Empresa: Biti9
Sede: São Paulo (SP)
Fundação: 2015
Solução: plataforma de automação de processos para grandes empresas
“A Biti9 nasceu como uma empresa de consultoria de automação de processos. O ponto de virada ocorreu em 2018, quando tivemos o insight de que poderíamos atuar de maneira mais escalável caso conseguíssemos oferecer esse serviço em uma plataforma de assinatura. O mercado de RPAs [robôs virtuais usados para automatizar tarefas repetitivas] estava ganhando força no país. Então, decidimos pivotar nosso modelo de negócio para uma empresa de software com tecnologia proprietária.
Foi nesse momento que começamos a botar o pé no universo de captação de investimentos para conseguir atravessar o vale da morte que existe entre os custos de desenvolvimento de produtos e a geração de receitas. Existiam diversos fundos investindo e startups captando durante o período. Mas a percepção era de que os aportes circulavam entre um grupo muito restrito de empresas, com perfis e estruturas muito específicas para receber esses recursos. Era uma bolha muito menor em relação ao ambiente que existe hoje – e não tínhamos banqueiros ou gestores de venture capital em nosso networking.
Foi nesse momento que surgiu o Hotmart Challenge, um desafio aberto para startups em estágio inicial. Mandamos o vídeo do pitch, passamos por todas as etapas e nos habilitamos para captar R$ 900 mil, no final de 2021. Era o investimento que precisávamos para reforçar nossas estratégias de marketing, processos operacionais e plataforma de tecnologia.
Mais do que o dinheiro, passamos a contar com o apoio e a expertise de uma companhia que já havia percorrido todas as etapas que estávamos vivendo até se tornar um unicórnio. A preparação para receber o investimento de uma corporação foi outro benefício revelado pelo aporte. Precisamos revisar toda a nossa estrutura contábil, jurídica e administrativa.
Como resultado, atingimos um nível de maturidade de governança que foi crucial para que a Biti9 pudesse captar novas rodadas e atuar em novas frentes de expansão. No final do ano passado, recebemos mais um aporte do Black Founders Fund, do Google, que ampliou ainda mais a nossa rede de contatos e ofereceu estrutura e recursos para investir em inovação, incluindo a incorporação de novas soluções de inteligência artificial em nossos produtos.
Com os indicadores financeiros bem organizados e a operação capitalizada, conseguimos acertar o nosso market fit e acelerar a nossa presença entre clientes de diversos setores. No ano passado, faturamos R$ 8,5 milhões. Queremos crescer de maneira eficiente e sustentável, mas já estamos prontos para conversar com novos investidores.”
Comunidade empreendedora: muita experiência, pouca diversidade
Homem branco, com ensino superior e morador do eixo Sul-Sudeste. Apesar do aumento da conscientização sobre as questões de diversidade, esse continua sendo o perfil predominante entre os fundadores de startups – e que reflete muitos dos abismos sociais e econômicos da realidade brasileira. A presença de mulheres no comando de empresas de tecnologia é de 19,7%. Pessoas negras, por sua vez, correspondem a 6,2% dos criadores desses modelos de negócios digitais.
Distante da figura do “startupeiro” universitário ou recém-formado que circula no imaginário popular, a maior parte desses empresários está fora dos escritórios improvisados nas casas dos pais e das repúblicas estudantis. De acordo com a última edição da pesquisa Founders Corporate Overview, realizada pela ACE Ventures, cerca de 60% se encontram em faixas que variam entre 35 e 55 anos.
Além de mais experiente, a atual geração de fundadores tem chegado ao mercado com bagagens de gestão e redes de contatos mais consolidadas. Os que trabalhavam em grandes corporações antes de abrir o seu atual negócio somam 44% – outros 17,5% já contavam com algum tipo de experiência empreendedora.
Os níveis de escolaridade também se mostram elevados em relação à média nacional e podem ser observados tanto nas formações em cursos do ensino superior (30,5%, ante 19,7% da população brasileira, segundo o IBGE) como na pós-graduação, em especializações (39,9%) e em mestrado (14,4%).
“Diferentemente de berços de inovações disruptivas como o Vale do Silício [no estado norte-americano da Califórnia], que dispõem de amplo acesso a capital, o principal ativo do ecossistema brasileiro é o tamanho do mercado interno. A figura do jovem empresário que cria tecnologias para o mundo a partir de uma garagem não se encaixa muito nessa realidade”, diz Pedro Carneiro, sócio da ACE Ventures. “Trata-se de um contexto no qual é preciso ter experiência profissional, conhecimento de mercado e networking para aproveitar oportunidades e ganhar escala comercial.”
Entre as inúmeras motivações para abrir uma startup, o senso de propósito tem falado mais alto do que o sonho de conquistar o primeiro milhão (ou bilhão): a vontade de mudar o mundo de alguma maneira é apontada como o principal objetivo de 77,6% dos fundadores do país, segundo a pesquisa da ACE Ventures. O desejo por maior retorno financeiro aparece em segundo lugar (35,3%), seguido pela oportunidade de liderar equipes (17,9%) e obter mais flexibilidade no trabalho (15,7%).
Em todos os casos, os desafios de fluxo de caixa estão entre as principais preocupações para atingir essas finalidades. A dificuldade na captação de aportes e no acesso a capital são apontados como limitadores de crescimento por 50,6% dos empreendedores – apenas 37,5% já receberam rodadas de investimentos.
“Esse fator fica ainda mais acentuado fora dos grandes centros econômicos. O bom sinal é que muitos founders começam a perceber que é possível alcançar bons resultados sem precisar necessariamente de investimentos externos”, avalia Carneiro.
O caminho do bootstrapping
As cofundadoras da Celebrar, Patrícia Cella (à esq.), COO, e Camila Florentino (no destaque e à dir. na foto), CEO
Jardiel Carvalho
Camila Florentino, 34 anos
Empresa: Celebrar
Sede: São Paulo (SP)
Fundação: 2017
Solução: plataforma de gestão e fornecedores de eventos corporativos
“Trabalho no mercado de eventos há mais de 20 anos. Passei por todas as áreas do setor, da prestação de serviços de entretenimento à produção de grandes festivais. Ao longo do tempo, percebi que havia uma grande assimetria entre os custos apresentados para clientes e os valores que pequenos fornecedores recebiam. Além da questão de remuneração, existiam os problemas de governança, que se tornaram ainda mais críticos com a presença de grandes patrocinadores no setor, que são justamente cobrados por indicadores de compliance, sustentabilidade e impacto social.
A Celebrar nasceu a partir de um projeto acadêmico elaborado para resolver essa dor de mercado. A pesquisa foi um dos destaques do Prêmio Santander de Empreendedorismo e rendeu uma bolsa para um curso na Babson College, nos Estados Unidos. Essa bagagem de gestão me empoderou para começar a estruturar a empresa em 2015. Passamos por alguns programas de aceleração e desenvolvemos o produto no ano seguinte.
A primeira solução conectava os fornecedores aos produtores de eventos de acordo com a localização e os serviços solicitados. Triplicamos de tamanho a partir desse modelo contando apenas com recursos próprios.
Com o início da pandemia, perdemos 92% de nossos clientes. Precisamos pivotar a estratégia e criamos uma solução voltada diretamente para as grandes companhias, oferecendo orçamentos em tempo real e processos de homologação padronizados para departamentos de compra. Reformulamos toda a nossa estrutura tecnológica e operacional no bootstrapping.
Neste ano, o novo modelo deve resultar em um faturamento de R$ 10 milhões. Receber um cheque milionário no início da empresa poderia ter nos ajudado a crescer mais rápido e atravessar alguns períodos difíceis com mais tranquilidade, mas também poderia ter feito com que perdêssemos o pulso sobre as reais dores e necessidades do mercado.
Já fizemos muitas reuniões e mantemos contato com diversas redes de investidores. Mas existe uma inclinação do venture capital de querer colocar toda startup em alguma caixinha. E nem toda empresa é um Software as a Service (Saas), uma fintech ou uma plataforma de inteligência artificial.
No caso da Celebrar, colocamos os nossos fornecedores e clientes acima de tudo. Não quero moldar o meu negócio apenas para me encaixar em uma tese de investimentos. O recebimento de um aporte precisaria ter sinergia aos meus princípios e aos objetivos do negócio. Hoje temos mais de 7 mil fornecedores cadastrados na plataforma. Minha principal métrica de sucesso é o valor que conseguimos gerar para essa rede.”
B2B e Serviços: uma combinação que não sai de moda
A vocação para o B2B permanece como uma das principais características do ecossistema brasileiro de startups. De acordo com a Associação Brasileira de Startups (ABStartups), 83% das empresas nacionais de tecnologia têm como foco o público corporativo.
Para Gustavo Gierun, cofundador do Distrito, a inclinação histórica para o segmento vem sendo ressaltada pela redução da disponibilidade de capital observada nos últimos anos – fator que ganhou ainda mais relevância com a elevação das taxas de juros no Brasil e no mundo.
“A prevalência do B2B tende a ficar ainda mais forte em momentos nos quais o acesso ao dinheiro está mais restrito. Diferentemente das startups orientadas por vendas para consumidores finais, o B2B não demanda investimentos tão volumosos para captar bases de clientes e ganhar escala comercial”, afirma.
Entre os modelos de negócio mais populares no país, o destaque vai para as plataformas de Saas, que estão no centro das estratégias de monetização de 40,3% dos empreendedores nacionais, seguidas pelas vendas diretas (16,6%), pelos clubes de assinatura (11,3%), por marketplaces (10,5%) e por cobranças de taxas sobre transações de terceiros (9,9%).
Os setores mais explorados, por sua vez, continuam refletindo demandas estruturais da economia brasileira, como educação, finanças e saúde, que concentram mais de um quarto de todas as atividades de startups mapeadas no país. Também vêm ganhando espaço negócios ligados aos universos de marketing, vendas e recursos humanos.
Em meio a esses movimentos, o mercado de tecnologias financeiras encontrou uma sólida avenida de crescimento ao apresentar retornos consistentes para gestores de capital de risco – o setor foi responsável por quase metade dos exits (saídas, como fusões e vendas) registrados nos últimos seis meses. Dos 25 unicórnios em atividade no país, dez são fintechs, incluindo companhias como C6, Cloudwalk, Creditas, Nubank e QI Tech. Além de atrair novos investimentos para o segmento, o sucesso dessas empresas tem se revelado como um fator determinante para resgatar a confiança de fundos internacionais e construir pontes de colaboração entre governos, órgãos regulatórios e agentes de ecossistema de inovação.
No contexto mais transversal, as novas ferramentas de inteligência artificial deverão ocupar um espaço cada vez maior nas estratégias de empreendedores e investidores. As expectativas, nesse caso, incluem tanto o desenvolvimento de aplicações para clientes como o uso de soluções que aumentem a eficiência e a produtividade de startups.
Entre as empresas mais bem posicionadas para atuar neste cenário, Gierun destaca as operações ligadas a movimentos da indústria criativa: “Setores que envolvem a produção de design e conteúdo estão entre os mais impactados pelas plataformas generativas. Mas a tendência é que toda startup, independentemente do seu perfil ou área de atuação, precise incorporar soluções de IA ao seu portfólio”.
Inovação consultiva
André Simões, da empresa Damch
Jardiel Carvalho
André Simões, 45 anos
Empresa: Damch
Sede: São Paulo (SP)
Fundação: 2018
Solução: plataforma de serviços de análise de dados
“Ainda na faculdade de marketing, percebi que existia uma conexão muito forte entre publicidade e tecnologia. Então comecei a orientar minha carreira para a junção desses dois universos. Esse caminho me levou a trabalhar na Xmpie, uma divisão da Xerox que oferece soluções de customer experience para outras empresas.
Em 2012, decidi deixar o emprego para abrir o meu próprio negócio. A ideia inicial era oferecer consultoria e suporte para companhias de médio e grande portes. Depois de seis anos operando nesse modelo, percebi que poderia aplicar o meu conhecimento na criação de um produto mais escalável, que combinasse processos de automação, marketing e comportamento humano de forma integrada. Comecei a desenvolver essa ideia ao perceber que existia uma demanda cada vez maior por tecnologias de estruturação da base de dados no mercado corporativo.
Pivotei o negócio e comecei a operar com a Damch em 2018. A partir de uma plataforma hospedada na nuvem, passamos a oferecer nossas soluções em pacotes de serviços para setores como Direito, finanças, saúde e construção civil. A duração dos contratos vai de 12 a 36 meses. Foi a maneira que encontramos de estabelecer uma previsibilidade de caixa e atender às necessidades de longo prazo de nossos clientes. Nos últimos dois anos, registramos um crescimento na casa dos três dígitos.
Diferentemente de outros segmentos B2B, as soluções para público entreprise costumam envolver processos mais consultivos de diagnóstico, implantação e suporte. O ciclo de negociação com grandes empresas pode se estender durante meses. Por isso, a personalização do atendimento termina sendo um grande diferencial de vendas. É preciso estar próximo dos usuários e garantir que eles consigam extrair todos os benefícios da tecnologia.
A incorporação de novas tecnologias e funcionalidades é outro fator crucial de conversão e fidelização. Esse aspecto tem nos levado a testar alguns agentes de inteligência artificial para ampliar as possibilidades oferecidas pela nossa plataforma. Mas quando se atua com sistemas e bases de dados de outras empresas, esse movimento precisa ser feito de uma maneira que priorize a segurança e a qualidade das informações utilizadas ao longo do processo. Startups focadas no público corporativo precisam levar em conta os impactos de suas soluções nas estruturas de governança e nas matrizes de risco de sua base de clientes.”
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