Conheça os 'heróis da resistência': pequenas lojas que usam nichos, agilidade e olho no olho para concorrer com grandes redes
Donos de empreendimentos de origem familiar ou novos negócios especializados em produtos raros ou artesanais reúnem lições sobre como vencer a concorrência desproporcional das cadeias de lojas Em centros urbanos como São Paulo, grandes redes comerciais ocupam cada vez mais espaços, e franquias abrem a cada esquina ameaçando a sobrevivência de pequenos negócios, aqueles com anos de estrada sem matriz ou filial. Têm só uma loja mesmo e o desafio crescente de manter a clientela.
Vitaminadas por fusões, cadeias de farmácias, de fast food ou de materiais de construção estão cada vez maiores e assustam pequenos empreendedores desses ramos.
Sem falar nas pequenas livrarias, em eterno cabo de guerra com os preços baixos do comércio eletrônico, que conquistaram até mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como ele já confessou em rede nacional. Mas as histórias de alguns dos “heróis da resistência” dão pistas sobre como sobrevivem entre os grandes.
— Eu não brigo no preço. O que me segura é que eu conheço muito bem os meus clientes, sei o remédio que cada um precisa de cabeça — diz Ricardo Agostinho, dono da Pharmacia & Cia, que ocupa há 26 anos uma loja de 50 metros quadrados em Perdizes, Zona Oeste da capital paulista.
Além do olho no olho, o empresário de 55 anos usa o gogó e conveniências como entregas para manter a clientela fiel. Dos 5 mil cadastrados no banco de dados da farmácia, 300 têm seu telefone pessoal.
Leo Wojdyslawski, de 51 anos, proprietário da livraria aberta em 2022, adotou o caminho da especialização para sobreviver às redes do ramo e ao comércio eletrônico de livros
Edilson Dantas
Agostinho tem na cabeça os remédios que usam e calcula quando precisam de reposição. E não deixa faltar no estoque um fármaco para pressão alta difícil de encontrar nas outras lojas da região, mas requisitado por dois clientes fiéis.
— Muitos são idosos, por isso, mantenho três linhas de telefone fixo — conta o lojista.
A farmácia tem motoboys fixos para entregas na vizinhança, que podem chegar a 70% das vendas no mês.
— Precisa de troco? Qual o endereço? O pedido está saindo já — responde o ágil Agostinho, que atendeu o telefone uma dezena de vezes em quarenta minutos de entrevista.
Ulysses Reis, professor de varejo da FGV, diz que o segredo do pequeno empreendedor é entender que seu foco e diferencial estão nos arredores:
— Em média, 80% do faturamento vêm da vizinhança.
Agostinho sabe que tem de redobrar essa atenção. Apesar de 8 em cada 10 farmácias no país serem micro e pequenas empresas, segundo levantamento do Sebrae de 2023, no entorno da loja dele há ao menos menos vinte unidades de redes como Raia/Drogasil e Drogaria São Paulo/Pacheco.
Agilidade de olhos fechados
A Casa das 3 Meninas, uma loja de materiais de construção e ferragens aberta desde 1955 na Santa Cecília, região central de São Paulo, também atravessa o tempo focada nos vizinhos, principalmente outros pequenos negócios.
Em pouco mais de 50 metros quadrados, armazena milhares de parafusos e muitas ferramentas, além de colas e acessórios usados na montagem de móveis e outras miudezas.
Não espere encontrar ali sacos de cimento ou tijolos: 50% do faturamento da empresa comandada hoje pela terceira geração da mesma família vêm de marceneiros, eletricistas, colégios, lanchonetes e até de uma oficina especializada em restauração de carros antigos da região. Encontram ali reposição constante de itens específicos usados em manutenção.
Leonardo Capote e a mãe, Regina Capote, na 3 Meninas, com foto dos fundadores da loja, o casal Renato Matta e Maria Paladino Mata
Guilherme Queiroz/ O Globo
— Temos 7 mil itens na loja. Ganhamos um bom impulso com a onda do Do It Yourself (DIY, o “faça você mesmo”). Depois da pandemia, as pessoas começaram a fazer por conta própria pequenos reparos em casa, a montar móveis. Elas respondem pelos outros 50% do nosso faturamento — diz Leonardo Capote, 42 anos, dono da Casa das 3 Meninas.
O desenho da loja, um tanto nostálgico, é do século passado, com mais de 200 gavetas de madeira por onde se espalham maçanetas, dobradiças, cantoneiras e todo tipo de ferragem que se possa imaginar. Ao chegar ao estabelecimento, o cliente precisa pedir o que deseja no balcão, já que a maior parte dos itens está ao alcance apenas dos funcionários.
— Meu pai fazia teste com a gente. Apagava a luz e pedia para buscarmos um produto específico. Era preciso saber de cor — lembra Regina Matta Capote, 71, mãe de Leonardo e filha do casal fundador da loja.
Reis, da FGV, observa que a agilidade conquista em contraste com as grandes redes de material de construção, onde prevalecem autoatendimento e longas filas no caixa:
— É um destaque da pequena loja: se tiver atendimento rápido, ganha espaço.
Portfólio incomum
No caso da Livraria Eiffel, na República, centro paulistano, a lógica é outra: o cliente precisa se sentir convidado a explorar o espaço com calma. Especializada em obras de arquitetura, design e paisagismo, a loja de 100 metros quadrados fica no térreo de um edifício residencial projetado por Oscar Niemeyer, o Eiffel.
Os traços modernistas do prédio, visíveis também no interior da loja, são um chamariz para os clientes, quase todos arquitetos e designers, tribo que circula muito pela região.
— Aqui estamos perto da sede do IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil), de faculdades como Escola da Cidade e Mackenzie (ambas com graduações nesse nicho) e da Rua General Jardim, que tem vários escritórios de arquitetura — conta Leo Wojdyslawski, de 51 anos, proprietário da livraria aberta em 2022.
Apesar da formação em arquitetura, o empreendedor atuou por décadas na advocacia e é um antigo morador do Eiffel. Quando se deparou com o espaço vago no térreo, onde antes funcionava uma loja de cuecas, foi incentivado pela ex-esposa a alugá-lo. Na hora de definir o negócio, aplicou outra boa lição para os pequenos: especialização.
— Conversei com várias pessoas desse mercado e ninguém me recomendou (abrir uma livraria). Disseram que iria perder dinheiro — lembra Wojdyslawski, que preferiu seguir sua intuição.
Com apenas dois funcionários, a loja fecha no azul há mais de um ano sobre um tripé: livros raros, obras importadas e os lançamentos do mercado nacional. Em 2023, Wojdyslawski foi à feira do livro de Londres, no Reino Unido, onde fez conexões com distribuidoras europeias e americanas da área.
Com a linha direta, o empresário tem mais facilidade para trazer títulos de fora até 25% mais baratos, o que foi um salto para o negócio.
— Comecei a trazer os títulos importados dessa forma há seis meses. Um dos meus fornecedores é, por exemplo, uma distribuidora holandesa que tem opções de pequenas editoras de diversas partes do mundo, como Japão, China, Portugal, Dinamarca — ele conta.
Uma obra que esgotou recentemente por ali (mas que deve ser reposta em breve) é a The Tokyo Toilet, com fotografias e os projetos dos belos banheiros da capital japonesa, que ganharam fama com o longa-metragem Dias Perfeitos, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2024 (vendida por cerca de R$ 420).
Foco no sabor
Obras raras podem superar R$ 2 mil, por isso a livraria manda com antecedência as novidades da vez para os clientes assíduos, em especial colecionadores de livros de arquitetura.
Mas nem sempre um leque diversificado de opções funciona. A estratégia da hamburgueria Na Garagem, que fica numa pequena rua do bairro de Pinheiros, na Zona Oeste, é, digamos, o minimalismo. Para se destacar das redes de fast food, tem um cardápio com poucas opções e um hambúrguer com baixo teor de gordura: até 8%, enquanto o industrializado pode chegar a 25%.
— Nossos 18 metros quadrados são quase como trabalhar em um food truck, mas parado — brinca.
O menu mínimo permitiu foco no sabor. O endereço virou destaque em revistas de gastronomia, formando uma reputação. Quando a concorrência começou a apertar, ele aumentou um pouco o cardápio: agora são seis sanduíches.
— Ainda assim, temos poucas opções. Acredito no cardápio enxuto — afirma o empresário de 50 anos, que emprega três funcionários por turno e vende até 120 lanches por dia, cada um entre R$ 20 e R$ 34.
Ele promove eventos para incrementar a relação com a comunidade, como fechar a rua para os aniversários da lanchonete com atividades para as famílias do bairro. Afinal, a disputa no segmento é cada vez mais feroz. Segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), as franquias de alimentação tiveram em 2023 a maior alta em vendas entre os outros nichos: 17,9%, somando R$ 46 bilhões no país.
— O desafio do pequeno empreendedor é se manter atualizado, acompanhando a velocidade das mudanças de mercado. Mesmo porque quem opta por franquias já tem um modelo de negócios de sucesso validado, com um pacote de suporte que o empreendedor solo não conta — diz Bruno Arena, diretor da comissão de microfranquias e novos formatos da ABF.
O serviço de depilação a laser, em específico, vem ganhando mais espaço entre as franquias de beleza. Também segundo a ABF, existem 19 redes de franquias no país que oferecem a depilação. Elas somam 2.104 unidades nos dados mais recentes de 2024, 10% a mais do que em 2023, quando eram 1.915. Ainda assim, alguns pequenos têm seus truques para competir nesse mercado.
— Quem me procura quer um acompanhamento médico global do processo de envelhecimento, busca uma avaliação tanto da parte de beleza como de saúde — conta a dermatologista Daniela Pimentel, 45 anos, sócia da Clínica Evive, localizada em Moema, na Zona Sul.
A clínica foi aberta em 2008 pela dermatologista e o marido, que é cirurgião plástico. Daniela faz primeiro uma consulta com os clientes, para depois oferecer os procedimentos estéticos que vão de preenchimentos à depilação a laser.
Enquanto nas franquias de depilação a laser os preços baixos e a rapidez para a marcação de procedimentos específicos são o chamariz, a médica acredita que se destaca oferecendo outro tipo de diferencial: o acompanhamento de longo prazo.
— Nós tentamos entender o estilo de vida dos pacientes. Pela forma como nos colocamos nas mídias sociais, quem nos procura costuma estar interessado em um acompanhamento mais geral, uma avaliação médica, e entende isso como mais importante do que vir realizar apenas um procedimento específico — conclui a dermatologista.
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