Como calcular o valor do investimento de impacto?

Na Harvard Business Review (HBR) de jan-fev de 2019, fui atraída pelo título de um dos artigos sobre uma maneira para se calcular o valor dos investimentos de impacto, com base em evidências. Comecei a ler o texto entusiasmada pela possibilidade de encontrar uma contribuição pragmática no campo da avaliação social, mas confesso que fiquei decepcionada. 

O trabalho foi escrito por sócios e gestores da Rise Fund (um fundo de US$2 bilhões para investimentos de impacto) e da Bridgespan Group (uma consultoria global para impacto social). A partir da experiência deles, propõem uma metodologia para estimar o retorno financeiro do investimento social e ambiental. Batizaram a “nova” métrica por IMM (Impact Multiple of Money), porque, com base nela, se tornaria possível prever o múltiplo em benefício social e ambiental que seria gerado a partir de $ 1 investido – assim, se o IMM for 5X (5 vezes), significa que cada $1 investido vai gerar $5 em benefícios.  Rise Fund só investe em projeto quando o IMM dele for no mínimo de 2,5X. 

A intenção dos autores é que, a partir da comparação dos valores de IMM estimados, se consiga dar mais rigor ao processo de seleção dos investimentos sociais, como já é usual no mundo dos negócios, através do uso de metodologias financeiras amplamente aceitas. Com isso, segundo eles, se poderia avançar sobremaneira na análise dos investimentos de impacto, que ainda se encontra atualmente, em grande medida, baseada na “adivinhação”, em informações restritas a processo, ou em intenções de comprometimento. 

Os seis passos do método proposto (IMM)

  1. Avaliar a relevância e a escala do projeto, para se decidir sobre se vale a pena (ou não) o esforço de aplicar o método, pois “estimar o IMM não é tarefa trivial”. Então, segundo os autores, o projeto a ser avaliado deve ter um propósito e escala potencialmente relevantes, o que não quer dizer número grande de pessoas beneficiadas. Há projetos com um pequeno número previsto de beneficiados, porém com grande potencial de transformação, que podem ser muito mais relevantes do que outros com grande número de beneficiados. 
  2. Estimar os resultados sociais ou ambientais esperados. Nessa etapa é importante verificar se os resultados previstos são atingíveis e mensuráveis. “Felizmente” hoje os investidores já podem contar com muitas pesquisas nas Ciências Sociais (as evidências) que lhes permitem estimar o potencial do impacto social da empresa ou organização. E tal se deve ao movimento sobre “o que funciona” dos programas sociais, que propiciou um grande impulso ao desenvolvimento da “indústria de medição de resultados sociais” nessa última década. 
  3. Estimar o valor econômico desses resultados para a sociedade. Para traduzir os resultados identificados (acima) em termos monetários, é preciso também recorrer a um “estudo-âncora” robusto (ou a evidências ou referências já existentes) e, na ausência desse, à orientação de um especialista da área. A escolha do estudo-âncora deve levar em conta o rigor da estimação dos resultados (preferência por pesquisa experimental, ao invés de pesquisa observacional ou estudo de caso), contexto similar ao do projeto em questão, e/ou o estudo deve ser o mais recente possível. 
  4. Ajustar o risco advindo do uso de estudos-âncora. Embora os autores considerem ser satisfatório o uso de estudos-âncora (ou das evidências) já existentes para preverem a monetização dos resultados sociais e ambientais, eles admitem o risco de aplicarem tais achados não diretamente associados às oportunidades do investimento em questão.  Propõem, então, que seja incluída nos cálculos a estimativa do risco, baseada em uma escala de probabilidade de 0 a 100%, definida segundo 6 categorias, que são: qualidade do estudo-âncora, pressupostos adotados, contexto, grupo de renda, similaridade do produto ou serviço, e a possibilidade do uso previsto (para o produto/serviço social) não se verificar. 
  5. Estimar o valor terminal do investimento. No caso de determinados tipos de projetos sociais e/ou ambientais, pode fazer sentido incluir também na estimativa do valor monetário do impacto o período depois que o projeto ou investimento social tiver finalizado. 
  6. Calcular o retorno social por cada dólar investido. Finalmente é calculado o valor do IMM. 

Assim, segundo os autores, “em um mundo em que os CEOs estão cada vez mais falando em lucro e propósito, o IMM oferece uma metodologia rigorosa para se avançar na arte de alocação do capital para gerar benefício social”.  Pois quanto maior o valor do IMM estimado, maior o potencial de impacto do investimento social e/ou ambiental, permitindo a comparabilidade entre projetos de natureza distinta, como é comum no campo social. 

Por que a decepção com o método IMM? 

1.IMM não é um método inovador

A meu ver, essa metodologia proposta por Rise Fund e a Bridgespan Group
não é inovadora, como os autores parecem sugerir aos leitores, logo no início do artigo. Há 10 anos atrás, em 2009 foi lançado, pelo Cabinet Office (Office of the Third Sector) do Reino Unido, a publicação  A guide to Social Return On Investment – SROI (Um Guia para estimar o Retorno Social do Investimento). 

Já naquela ocasião, a objetividade e clareza (com exemplos didáticos) do Guia para estimar o
SROI haviam despertado a minha atenção. A ideia era justamente a de traduzir em valores monetários os resultados sociais, ambientais e econômicos alcançados por organizações do terceiro setor, compará-los aos custos incorridos, e estimar uma taxa (ou razão) do valor social gerado para cada
£1 investido.  Muito embora, desde então eu procurei alertar para os muitos cuidados que se deve ter para garantir a validade do método. Leia artigo – Retorno econômico de projetos sociais corporativos: limites da avaliação)

A semente foi lançada e, tempos depois, a Fundação Itaú Social e o IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) passariam também a difundir o método no Brasil, dando cursos para organizações do terceiro setor sobre avaliação econômica ou SROI de projetos sociais. A estratégia era baseada em avaliar impacto com base em técnicas experimentais, e depois fazer o cálculo do retorno econômico – isto é, traduzir os resultados em valores monetários. 

Poder-se-ia alegar que tanto o SROI como o método do retorno econômico (Fundação Itaú Social) são avaliações ex-post, ou seja, depois dos projetos executados. Por sua vez, o método proposto do IMM é uma avaliação ex-ante, isto é, que é feita antes de se executar os projetos – ou melhor, uma ferramenta para selecionar os projetos, baseada em seu impacto monetário potencial. E em sendo assim, poderiam ser entendidas como ferramentas distintas. 

Todavia, a meu ver, o argumento acima não procede, uma vez que ambos os métodos adotam as mesmas lógicas de avaliação – técnicas experimentais seguidas por técnicas para monetização.  No caso do SROI, as técnicas são aplicadas ao próprio projeto, que é objeto da avaliação.  No caso do IMM, considera-se que essas técnicas tenham sido aplicadas aos estudos-âncora adotados (evidências). 

2. Precisão com margem elevada de erro

São os próprios autores que apontam a grande fragilidade do método que eles propõem, o IMM.  Como eles afirmam, “a grande vantagem do IMM é permitir comparações diretas entre oportunidades de investimentos.  Mas é importante entender que não se trata de um número preciso, como é o múltiplo da relação preço ou lucro de uma ação negociada. Assim, apesar de todo o rigor envolvido em um dado cálculo do IMM, é possível que algum outro analista que tenha adotado um “estudo-âncora” diferente, igualmente válido, chegue a um número para o IMM bem diferente”. 

Daí, eu pergunto: de que adianta se chegar a um número preciso para o IMM, que oriente o investidor para a escolha de um determinado projeto social, para, só depois de algum tempo, se concluir que essa não foi a escolha mais adequada (ver figura)? 

O ponto que chamo a atenção é que de pouco adianta a precisão do IMM quando as possibilidades de erro da estimativa são elevadas. Os autores apontam que há muitas possibilidades de erro e que estas devem estar previstas nos riscos do modelo. Mas, há ainda aqueles erros que nem conseguimos prever nem tangibilizar, dadas as muitas especificidades do “ambiente real” de cada projeto social e/ou ambiental. 

Na realidade, o cálculo do IMM – que é complexo, como admitem os autores – procura dar um tratamento de rigor estatístico e financeiro para as muitas subjetividades envolvidas na previsão dos resultados monetários, conforme explicitado nos 6 passos do método. Porém, a meu ver, quando as subjetividades são grandes (como é o caso), não necessariamente o rigor e a complexidade do método se traduzem por estimativas mais acertadas. Muito ao contrário, nessas condições procedimentos simples de escuta de especialistas e potenciais beneficiários podem fornecer previsões muito mais embasadas e sólidas. 

Concluindo…. 

Enfim, para orientar na melhor forma de alocação do investimento social e ambiental, a escuta bem-feita de opiniões ainda pode ser uma boa estratégia. Sem falar que a custos possivelmente bem menores e compatíveis com a realidade do terceiro setor. Não é hora de abolir ou relegar a segundo plano essa estratégia, como parecem sugerir os autores acima da
Harvard Business Review

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