Cinco soluções em inovação social, pero no mucho

 

Este conteúdo foi produzido por

Fábio Deboni

 

Há soluções que rodeiam nossas bolhas da inovação social, do impacto e afins, mas que, se analisadas com mais profundidade e contexto, parecem solucionar a vida de apenas parte do conjunto das organizações que atua nessas áreas. Além disso, acabam ganhando vida própria e adquirindo um

status


bem maior do que uma mera solução. Curioso isso, não?

Para ficar evidente aqui, não sou contrário a essas soluções (e tantas outras). Acho elas relevantes e interessantes, mas nem por isso deixam de ser meras soluções (ferramentas, meios de se viabilizar o tão sonhado impacto positivo) e, portanto, passíveis de críticas e de divergências.

A seguir reúno cinco delas:

1. Fundos patrimoniais

Pense comigo caro(a) leitor(a). Que organização social tem condições de constituir um fundo patrimonial, abrindo uma conta/aplicação bancária com alguns milhões de reais? Lembrando que o contexto de boa parte das OSCs é de vender o almoço pra pagar a janta. Acho a ideia muito potente, mas cá entre nós, é algo extremamente restrito a uma elite de organizações da sociedade civil / fundações. Com o olhar de hoje, fica difícil projetar essa realidade para organizações medianas e menores.

Não sabe o que são fundos patrimoniais (endowments), sugiro dar uma olhada aqui:

Basicamente é um recurso aplicado, cujos rendimentos é que serão utilizados para custear a organização (salários, projetos, etc.). Novamente reitero: a ideia é muito boa e me anima ver alternativas sendo criadas para organizações menos afortunadas financeiramente. A SITAWI está se movimentando pra ‘popularizar’ essa ideia para o setor (

). A conferir.

2. Pejotização pra tornar o custo-equipe mais acessível

 

Sem dúvida, é uma saída muito praticada no setor e, tem sido, a forma de manter equipes ‘empregadas’. O ponto é que o fenômeno da pejotização, já legalizado no país a partir da mini-reforma trabalhista (Temer, 2018), oculta outro problema que afeta muito o setor:

profissionais-empresas que flutuam entre várias organizações e, no final do dia, não estão em nenhuma

. Desta forma, a organização tem dificuldade de manter uma massa crítica estratégica que dê corpo à instituição e esses profissionais ficam flutando entre várias organizações e projetos, seja por preferência, seja por necessidade. Ao primeiro sinal de propostas de trabalho mais interessantes, esses profissionais-empresas tendem a partir para novas empreitadas, deixando a organização a ver navios em sua frágil musculatura institucional. Não à toa é muito comum se deparar com regimes distintos de contratação em várias organizações: parte do time é CLT e parte é PJ. Quem é da área de RH já viria aqui um baita desafio de clima organizacional (em função de dois pesos e duas medidas), mas isso é papo pra outra prosa.

Respeito os defensores da vida PJ, em função da flexibilidade laboral e da possibilidade de fazer vários trampos ao mesmo tempo, mas não consigo encontrar muita distinção entre isso e os milhares de entregadores e motoristas de aplicativo. Novamente, papo pra outra conversa.

 

Leia o texto:

Contratação de MEI por ONGs: normas e cuidados

3. Compliance e programas de integridade

 

Como costumo dizer: não há como ser contra esses tipos de práticas, pois elas apontam para organizações mais transparentes e mais alinhadas às boas práticas de gestão. O ponto aqui é:

como essas ferramentas vêm sendo implementadas diante de um conjunto tão diverso de OSCs?

Vejo alguns movimentos no horizonte:

  • De diversas consultorias forçando a barra pra vender soluções de integridade às OSCs que estão léguas de distância do tema e que não têm grana para pagar por isso. Talvez, elas precisem de outros ajustes internos, com outros nomes menos gringos, mas que as posicionem em direção à práticas de gestão, controle e transparência mais avançadas.
  • De financiadores que, da noite pro dia, passam a exigir de seus beneficiários (grantees) uma porrada de requisitos de compliance que ampliam ainda mais a distância entre as OSCs da 1ª prateleira para as demais. Afinal, a ideia era essa?
  • De OSCs que resistem a ser mais transparentes; ONGs com ‘dono’, ONGs que ficaram no passado em termos de práticas de gestão e de controle. Vale frisar que o ‘ficar no passado’ não remete à questão etária dos dirigentes da OSC, nem da idade da própria OSC. Trata-se da visão institucional da organização, a partir da posição de suas lideranças, conselho, muitas vezes resistente à adoção de práticas inovadoras e necessárias.

 

Será que o processo de

compliance


, ao invés de estimular OSCs médias e menores a aperfeiçoarem sua gestão/transparência/controles, não estaria ampliando a desigualdade institucional entre elas e as OSCs maiores? De novo, pra mim a questão fundamental é


na maneira como o

compliance


vem sendo implementado


no setor e não do


compliance


em si.

4. Redes sociais e mundo digital

 

Escuta-se com certa facilidade que qualquer organização de impacto precisa ser ativa no mundo digital e nas mídias sociais. Raramente se escuta algo contrário a isso. A questão que decorre daí é:

como se tornar ativa e relevante nesse mundo digital?


Isso cabe no bolso e no pensamento de qualquer organização? De qualquer porte?

Mais um exemplo do rabo que abana o cachorro. Ferramentas de comunicação e de interação digital que, se mal pensadas e mal implementadas, viram a organização do avesso. Afinal, vale a pena estar presente e ser ativa em todas as redes sociais? Em quais, sim? Em quais, não? A cargo de quem ficará a gestão desta área? Será internalizado ou terceirizado? O que a OSC irá comunicar nestes canais? Ela, afinal, tem o que mostrar em busca do tão sonhado ‘engajamento’?

 

A pandemia nos mostrou que estar ausente no mundo digital pode ser fatal pra qualquer organização. Muitas delas penaram com isso, enquanto outras surfaram bem essa onda. Obviamente, essas ferramentas devem estar a serviço do alcance da missão da organização e não o contrário. Parece banal, mas ainda se vê por aí o rabo abanar o cachorro. Curiosamente, há organizações com diversos canais/redes sociais que seguem sendo inacessíveis; que seguem ‘vendendo’ um mundo de realizações que nada tem a ver com sua essência. Só pra reforçar que

não se trata da ferramenta, mas sim de como a organização a encara dentro de suas rotina e de seus processos


em direção ao alcance de sua missão.

5. NFTs, blockchain, tokens….

O mundo digital nos oferece um sem número de novidades, muitas delas bastante atrativas e também complexas. Os NFTs são um exemplo ainda recente no campo socioambiental. Em breve seremos bombardeados por esse tipo de tokens por aqui. No mundo do futebol, por exemplo, já é uma realidade. Clubes criam fan tokens e comercializam para torcedores ávidos por itens exclusivos do seu clube ou em busca de algum poder de decisão sobre assuntos periféricos do seu time (ex: música que vai tocar na entrada do time no gramado, um novo slogan, etc.).

Essa área é ainda recente e traz consigo um mar de siglas e de complexidades. Fora do Brasil já há vários casos de organizações utilizando NFTs para captar recursos. Por aqui ainda é uma grande interrogação (

).

Se o item anterior (mundo digital/comunicação) já era um enorme desafio para boa parte das OSCs, imagine esse dos tokens. Vejo, pelo menos, dois desafios: um primeiro de entendimento, e um segundo de operacionalização.

 

Em ambos é de se imaginar que será fundamental buscar um parceiro que já opere nesse universo com convergência de propósitos com a OSC. Repito:

encontrar um parceiro e não um vendedor de lenços.


Afinal, consultorias e especialistas no tema não faltam e certamente se apresentam para as organizações sedentas por novidades.

Eu particularmente ainda não consegui enxergar valor nos NFTs. Por ora, me soa como comercializar amenidades. A conferir.

 

Leia também:

As ONGs na era do metaverso

Essas e tantas outras soluções estão aí e vieram pra ficar. Para além do estouro da boiada para temas da moda, o que mais me intriga é o quanto tomada de decisão estratégica e uma boa gestão seguem escassos entre organizações de impacto social (sejam elas negócios de impacto, OSCs, fundações).

Ao invés de nos empolgarmos com essas novidades, não seria mais adequado nos atentarmos a arrumar nossas cozinhas institucionais, a preparar um bom arroz com feijão para, quem sabe, pensarmos em pratos mais elaborados e até mesmo ‘gourmetizados’? Nada contra eles. São saborosos e potentes,


mas comecemos por fazer o essencial bem feito, pra a partir daí, projetar novas possibilidades.

 

Afinal, que inovação social é essa que não começa sua caminhada pelo básico?

Que inovação social é essa que se empolga com a inovação deixando o social de lado?

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