Alta burocracia favorece corrupção de fiscais


Quantidade de licenças, em diferentes esferas, cria oportunidades para atividades ilícitas Excesso de burocracia, processos descentralizados e uso de sistemas muitas vezes obsoletos abrem margem para a corrupção na fiscalização de empresas no Brasil e colocam obstáculos à tarefa de avaliar o custo do problema aos cofres públicos. É o que mostra esta reportagem da série sobre empreendedorismo produzida em parceria pelo Valor e pela “PEGN” nestas eleições.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o empreendedor brasileiro precisa de, em média, 12 licenças ou inscrições municipais, estaduais ou federais para abrir e manter um negócio. Os documentos incluem licenças de funcionamento, registros na Junta Comercial e permissões específicas da área de atuação. Uma oficina mecânica, por exemplo, não funciona sem uma Licença Ambiental Simplificada (LAS); uma loja de artigos importados necessita de liberação de despacho aduaneiro.
“A quantidade excessiva de registros e a demora para consegui-los é uma realidade vivenciada por muitos novos negócios. Cria um ambiente que pode ser utilizado por alguns servidores para a obtenção de vantagem ilícitas”, afirma Bruno Carlos de Souza, doutor em Controladoria e Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo (USP).
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Para operar, um restaurante na capital paulista precisa, além do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), da Inscrição Estadual e do alvará de funcionamento, de documentos como o Certificado de Licenciamento Integrado. Este, por sua vez, reúne licenças da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária. Cada município pode ter uma legislação própria sobre o segmento.
Acacio Miranda da Silva Filho, advogado doutor em direito público pela Fundación Universitaria de Las Palmas, da Espanha, diz que o processo de formalização é a primeira barreira que o empreendedor enfrenta. “Às vezes, as regras são tão complexas que fica mais fácil dar propina para o fiscal do que cumprir tudo aquilo”, diz.
Depois disso, os empreendedores precisam lidar com fiscalizações periódicas e com a emissão de novas licenças, se necessário – como um Alvará de Reforma, caso o empresário queira fazer uma mudança estrutural no imóvel.
Roberto Kanter, economista especializado em varejo e professor de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que toda fiscalização com interação humana apresenta oportunidades para a corrupção. Entre as soluções para mitigar o problema, ele cita a utilização de canais de denúncia e o uso de tecnologia.
“Se pedidos de licenças fossem automatizados, com apoio de inteligência artificial, haveria menos espaço para pagamentos extraoficiais”, diz Kanter.
A corrupção ligada à propina é crime com diferentes graus de punição: do pagamento de multas à prisão dos envolvidos, com reclusão que pode chegar a 12 anos. Do Código Penal constam sanções à pessoa física, que variam entre casos de corrupção ativa – quando a sugestão de pagamento extraoficial, por exemplo, parte do empreendedor ou funcionário da empresa – e passiva – quando o funcionário público oferece ou aceita propina.
Com a Lei nº 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção, promulgada em 2013, as empresas também podem responder pelos crimes, sejam eles cometidos por funcionários ou pelo próprio dono do negócio.
Quando considerados responsáveis pelo delito, os negócios arcam com uma multa que varia de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo. O valor precisa ser, obrigatoriamente, superior ao capital referente à vantagem obtida no ato de corrupção.
As companhias ainda podem enfrentar suspensão temporária das atividades ou extinção definitiva. O advogado Silva Filho explica que a dissolução da empresa ocorre quando há comprovação de que ela foi fundada com o objetivo de funcionar como instrumento de prática criminosa. Segundo ele, o empreendedor também pode sofrer punições legais em caso de corrupção cometida por seus funcionários, quando constatada sua ciência sobre o crime.
Marcos Vinícius Alves Ferrari, gerente de paralegal da empresa de auditoria e asseguração Forvis Mazars, lembra que, em casos em que o agente público solicita propina, o silêncio não é uma opção para o empreendedor. “Ele pode ser envolvido em um processo de improbidade administrativa, quando o servidor público age de má-fé contra a administração pública.”
Para os especialistas, é imprescindível que a empresa, independentemente do seu tamanho, tenha uma cultura de transparência, responsabilidade e clareza em todos os níveis hierárquicos. “O importante é ter uma postura ética, formalizar um código de conduta e cumprir com as diretrizes estabelecidas”, diz Janny Castro, diretora de compliance regulatório da Forvis Mazars.
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